9 de nov. de 2011
Espelho do Banheiro
28 de set. de 2011
Lágrimas com arroz
E o cheiro do alho tomava conta da casa.
A água secava e as lágrimas brotavam.
A torneira do banheiro ficou ligada enquanto ela se olhava.
Enquanto ela tentava se encontrar naquele espelho que nunca
Fora tão distante.
A água. O barulho, o silêncio dela era terapêutico.
Mas o sal do arroz foi demais.
O alho queimou.
O banheiro foi seu único refúgio.
Foi o amparo para sua ânsia, para seu medo.
O medo do desamparo.
O amor acabou.
A vida acabou.
E o arroz queimou.
Daniel de Castro
Olhos fechados
Chama-se quietude.
O tempo de agora é leve e
Forma suaves marcas.
O desejo foi transformado
Em mansidão.
Os olhos quando se fecham,
É apenas para contemplar.
Para sentir o cheiro mais
Intensamente. Para guardar
Os instantes serenos e ouvir
O próprio coração.
Daniel de Castro
Opostos
E a solidão foi o alvo.
A noite foi tudo o que restou.
E o sol era pesado.
O calor o incomodava.
O sorriso, os beijos, o afago.
Apenas uma mecânica.
Tudo ficou falso.
Ficou tão raso,
Tão profundo,
Tão superior,
Tão filosófico.
Daniel de Castro
Mendigo Sábio
Fiquei preso em uma oração quando conheci você.
Porque de tão linda, tão linda, que eu não conseguia
Olhar para você.
E quando a olhava disfarçadamente, me sentia arrebatado
Por seu sorriso, pelos seus gestos e respirava fundo para
Sentir o seu cheiro.
Eu não tinha universo, nem casa, nem chave, mas só um olhar
Me deu tudo que eu queria. Você me deu seus lábios e nunca
Mais tive sede.
E em seu corpo fiz morada e nunca mais senti frio.
Não preciso mais das lágrimas. Mesmo que caiam,
Terei o seu abraço.
Quando ando pela cidade, as árvores existem e desejo
Bom dia ao mendigo e divido meu pão com ele.
Ele me disse: - só se é mendigo quando as
Moléculas do seu corpo, quando as suas sinapses,
Os seus hormônios e os batimentos estão normalizados.
O amor é a própria desestrutura, meu filho.
Daniel de Castro
27 de set. de 2011
Sem Eixo
Meu cérebro pensa 3 vezes em você.
Tarde.
Noite.
Manhã.
Meu cérebro pensa em você em 3 camadas.
Amor.
Ódio.
?.
Combinações eletroquímicas, tais que minha
Maior vontade é beijá-la.
Combinações sinápticas, tais que meu único
Desejo é você.
Porém, a sua inexistência me tornou
Inconstante, psicótico
Em um avião, em
Qualquer das Asas.
Nem Norte.
Nem Sul.
Sem Eixo.
Trezentas,
Setecentas,
Novecentas vezes
Fiquei perdido
Em esquinas e
Em blocos.
Vaguei nas Entre Quadras.
Esperei o corujão.
Dormi na rodoviária.
Fui para a satélite e
Minha vida ficou tão
Vasta como a
Esplanada.
Daniel de Castro
Você não pode parar!
Não temos um minuto.
Temos velocidade.
Gigabytes não servem.
Agora são terabytes. Por enquanto!
Corro demais, sofro demais,
Mas não há tempo para lágrimas.
Cada vez que choro, cada vez que sofro,
É menos produtividade, é menos comida para os filhos.
Não posso parar.
A cada abismo depressivo diminuem
As minhas compras e o outro passa à minha frente.
Definitivamente, só posso rir e ouvir músicas.
Tapo o ouvido para o barulho da existência
E o que vejo pelas janelas do meu carro, do ônibus,
Do metrô se dissipa. Toda violência, toda miséria,
Todo o cansaço se dissipa junto com a música.
Em mim, reverberam as imagens midiáticas
E as súplicas consumistas, porém, nenhuma delas é fixa.
Um carro novo entra em meus olhos. Um móvel novo.
Uma casa nova, uma roupa, um sapato, uma pessoa...
E o sistema faz brotar em mim o que lhe é mais peculiar:
O verbo em primeira pessoa sempre. O lucro sempre.
A ressonância mais absurda de um tempo fugaz.
Tempo tão efêmero que todas as coisas precisam caber nele.
E por isso me liquefaço para estar em todos o lugares,
Quando eu mesmo sou um não lugar, quando
Sou tão estranho na sobremodernidade,
Entre celulares, iphones e Ipads e aviões.
Fizeram-me fantasma e também só vejo espectros.
Todos se dissiparam no crivo da peneira e como
Em chão árido foram sugados pela terra.
A terra que não tem mais raiz.
E o máximo que poderia ser construído em eventual
Tempestade, seria o encontro dessas águas artificiais
Para constituição de grande cratera erosiva, onde tudo
É tornado lama e caótica navegação.
Daniel de Castro
Tudo passou
Raios e raios, sempre
No mesmo lugar,
Sempre que eu te olhava.
Era assim minha paixão.
E eu sentia a tempestade em
Meu estômago e
Força violenta em minhas veias,
Mas quando te beijava, meu
Espírito ficava manso,
Meu coração em paz e em
Tempo firme.
O sol se pôs e
Tudo passou.
Daniel de Castro
Metáfora
Sobre o vento e sobre a sombra
Tanto habito quanto sou efêmero.
Sou testemunha da mudança de estação.
Vi árvores frondosas caírem pela raiz.
Algumas não suportaram o próprio peso.
Outras foram devoradas pelo fogo de cigarros,
De relâmpagos, de restos de fogueiras e balões,
Os quais o sonho infantil não foi leve o suficiente
Para manter o voo. Não foi suficiente para a
Insustentável leveza pueril.
Vi as folhas que caiam, que dançavam e desnudavam
Tão imponentes matas.
Observei e provei as lágrimas daqueles que
Ficaram sob a égide do sol. Acompanhei os passos
Daqueles que sentiam dor em seus pés por pisarem em terra árida.
Daniel de Castro
Flutuação
Agora tudo ficou rarefeito.
Tudo flutua e tem um brilho
Estelar.
Todos ficaram pequenos
Até sumir. Não sou mais deserto.
Sou vastidão.
Tornei-me macro.
Tornei-me cósmico.
Voltei para a origem.
Daniel de Castro
Abutres
Além do objeto, além de todo movimento mecânico,
Transpus na sobriedade de uma dor existencial.
Fui quase natimorto nascido a fórceps.
Ainda rapaz, amaldiçoei o dia em que sai das
Entranhas de minha madre.
Os amores primeiros sofreram graves rupturas.
Trilhei por caminhos que me levaram a ver e sentir
O cheiro das carnificinas.
Vi abutres ao lado de amantes.
Vi abutres só aguardando um pouco mais
De abatimento de tão frágeis almas.
Vi abutres terminando por se deliciarem ao sabor de
Sangue debilmente circulante em espectros
Que acusavam os últimos esforços pulmonares.
Não me atrevi pelos mares. Não os naveguei.
Perdi-me em olhares lânguidos. Em beijos não sóbrios,
Evadi-me da terra por uns instantes supervalorizados.
Dulcíssimas costas, finas cinturas, pescoços adoráveis.
Vozes sonolentas em meio a promessas e sorrisos abafados.
Naveguei profundamente. Amei amargamente.
Não casei. A noiva não teve o anel trocado. Ela se desfez em lágrimas.
Não tive filhos, mas pari histórias funestas para as
Quais fui o próprio parteiro.
Por tudo isso, não morri, mas não estou mais além do objeto.
E tampouco desconheço os movimentos mecânicos
Dos seres solitários:
Sorriso artificial e felicidade aparente.
Daniel de Castro
Nasça!
Ferrovia e BR
Um trem passou.
Ela ficou.
A saudade. A saudade. A saudade.
Daqueles olhos específicos.
Daquela boca específica.
A tristeza andou, andou, andou em
Alta velocidade.
O automóvel em dia limpo.
Em auto estrada.
A saudade. A dor. O sangue.
Uma cruz na BR.
Daniel de Castro
Raios X
Observação profunda e a visão ficou aguçada.
Primeiro os traços: os olhos, sobrancelhas,
Nariz, lábios, sorriso, maquiagem...
Contração do órgão da dor e
Água salgada nos poros.
E mais profundamente observei
Nos olhos dela:
Havia uma cor bonita de tristeza,
Um sofrimento brando.
Vi uma alma tão solitária
Quanto forte.
Vi sentimentos bons e ruins.
Vi doçura e também cicuta,
Mas ela estava pronta para
Mais um amor ou uma dor.
Daniel de Castro
Alcova
Encontros secretos
E segredos na alcova.
Sorrisos abafados
E corpos suados.
Brincadeiras.
Brincadeira com fogo.
A paixão foi abrasadora.
A separação foi inevitável.
Depois de um tempo tudo sumiu.
A relação era pública.
Os sorrisos amargos
E os corpos cansados.
Encontros secretos
E segredos na alcova.
Sorrisos mais abafados
E corpos mais suados.
A separação foi inevitável.
Daniel de Castro
CEB
Houve um temporal e
Tudo cinza. As árvores sombrias.
Houve um frio, os pingos
Nas telhas e barulho no chão.
Houve um vento
Que dançava louco com a chuva e
Levava-a para onde queria.
A terra estremeceu por causa
Dos trovões.
Os raios
causaram medo e Encanto.
Por fim, a mansidão e as
Águas que sempre descem,
Os pingos que embalam o sono
Quando batem no telhado.
As luzes ficaram fracas
E embaçadas.
Houve escuridão.
A CEB foi acionada e
Consertou a substação.
Houve luz.
Daniel de Castro
Em Brasília, 10 é 9 horas
Tontura
Ela não consegue te esquecer
E a cada gole, ela se afoga
Em tuas lembranças.
O mundo gira na cabeça dela
E ela para em ti; para nos teus olhos,
Na tua doçura, no teu amor.
Ela foge de ti para não sentir dor e
Nem amor. O mundo gira
E ela acaba em ti.
Daniel de Castro
Protesto
Banco Central é do lado do hospital.
Banco Central, o juro me faz mal.
Sr. Copom, abaixe os juros
Que assim vou ficar bom.
Não tenho mais dinheiro.
Entrei no vermelho.
Só paguei o mínimo do cartão.
Não tenho mais dinheiro.
Entrei no vermelho.
Não sou mais um cidadão.
BC, BC, não me faça mais dever.
O Ministro apareceu na televisão
E avisou que vai aumentar a inflação.
Banco Central, a taxa do Copom
Só me faz mal.
Mistério mundial: esse juro só faz mal.
É um mistério: esse juro estratosférico.
Banco Central, ouça os anjos lá da Catedral.
Banco Central, não nos engane
Com futebol e o carnaval.
Comitê Político Monetário, não dê
Explicações que me façam de otário.
Política cambial, a sua lógica é bestial.
Meninos de paletó, a soberba vira pó.
FMI, não faça os emergentes ficarem na UTI.
(barulho de sirene).
Daniel de Castro
Diametral
Vastidão
Não conheço nem os mares,
Nem o céu.
Não conheço nem a mim
Que sou mais
Vasto.
Daniel de Castro
Poesia e Vagina: Gozo!
Não sou poeta.
Sou uma agonia
Que se gasta nos corpos.
Que se expande nos vários universos.
Nas tantas moradas tão seguras
Quanto o olhar da madre.
Lá me aprofundei.
Na vagina
O meu amor se intensificou.
O meu esperma nunca fizera
Tão absoluta viagem de gozo
Avassalador.
O gozo fez o entrelaçar das mãos.
Nunca uma nuca fora tão linda.
Nunca fora tão bom morder brancas
Ou negras costas.
Não havia alma; havia para além
De um sorriso infantil, quase bobo.
Só depois do cansaço os olhos se olharam e
As bocas se beijaram.
Nunca uma vagina fora tão saborosa.
Pênis na vagina, nos seios, na boca.
Boca nos seios. Gozo entre beijos.
Gozo com cheiro e sabor de sexo.
Não sou um poeta.
Sou um vagabundo apreciador de vaginas;
De seios, coxas, panturrilhas, orelhas, pescoço e bundas.
Sou um homem sensível, mas que gosta de vaginas.
Sou um poeta?
Holograma
Sonhei que era um escritor.
Sonhei com você.
Acordei e virei poeta.
As lembranças deixaram de existir.
O passado parou de existir.
Tornou-se apenas conceito mental
Para as coisas mortas.
Vazio das situações hipotéticas.
Apenas possibilidades de sinapses
De algo que já é remoto.
De algo que não é.
Se já foi, não é mais; Então não é.
Sem verbo não se conjuga a existência
E pretérito não faz existir. No mais,
Reminiscências são hologramas.
Não
Lembro
Mais de
Você.
Cerrado Serrado
Veja esse tempo amorfo,
Essa fumaça suspensa.
Sinta o ardor dos meus olhos
Por causa da noite insone.
Olhe essa vermelhidão,
Sem uns óculos sequer
Para disfarçá-la.
As árvores foram queimadas.
Parece que todo calor desesperado
Está em mim.
Parece que todo estalido
Das chamas que avançam...
Parece que esse barulho...
Parece ser incessante
O silêncio do desespero
E o encontro da alarde
Fuga para a morte agonizante.
Eu sou o cerrado.
Torto, retorcido.
Manancial poluído.
As minhas madres não
Produzem mais a vida
Desde o tempo em que
Não mais recebi as
Bênçãos das chuvas.
Agora sou bairros Norte, Sul, Sudoeste, Noroeste e Condomínios.
Sou a expansão desordenada para os lados e para cima.
Em todas as direções, casas, apartamentos e avenidas engarrafadas.
Sou erosão e solo infértil.
Tornei-me uma estufa de especulação imobiliária.
Agora sou pasto vasto, uma plantação de milho e soja sem fim.
Meu solo é embebecido de agrotóxico e os meus filhos
Morrem de câncer.
Não é Deus que quer assim; é a ganância que não tem a medida da maldade.
Desesperem-se. Manerem. Em breve, muito em breve, não se ouvirá o canto
Da cigarra.
Daniel de Castro
2 de fev. de 2011
Há tempo para todas as coisas
Aprendi a fechar os olhos por
Causa das tempestades.
Agora voltei mais humilde.
Por muito tempo fui ao extremo.
O sol que me punia e o frio
Que me doía os ossos.
Agora estou no equilíbrio:
O sol para as flores e os
Seus beijos para o tempo frio.
Fui derrotado, mas não virei pó.
Foi necessário um retorno,
A solidão e o desespero.
Foi tudo necessário para uma projeção,
Para um lançar-se.
Toda a angústia foi apenas o arco.
O arqueiro me fez cortar o espaço
E o tempo em velocidade mansa.
Dor também é matemática
Porque estou dentro do vazio.
E o que fere é a falta.
E se falta é porque não tem.
E se não tem, logo
Está vazio.
E tristezas nada mais são
Do que matemáticas
Impiedosas, onde há
Uma lógica
Cortante.
Uma nuvem...
Cambaleou nos seus caminhos tortuosos, às vezes, com a música de algumas risadas que as guardou com carinho. Porém, não conseguiu mais lembrar-se do som nem do amor que muitas pessoas sentiram por ele. Engrenagem enferrujada da produção em larga escala, portanto, fora substituído.
Teve amores, entretanto, sua conturbada vida os fez ir. E foram com lágrimas reais e passos sem volta.
Entristeceu-se na solidão dos barracos de fundo e de aluguéis caros. Entristeceu-se pelos favores que nunca pode retribuí-los e por ver novelas por não ter o controle.
Também alegrou-se algumas vezes visto ser quisto entre os seus.
Hoje, encontra-se perdido entre o tempo e o vazio desse tempo e o frio desse tempo.Sua vivência é inóspita e não se consegue acesso a ele. Não se consegue resgatá-lo. Já creu em Deus e com lágrimas e soluços desesperados suplicou-Lhe inexoravelmente por dias melhores. Entretanto, os dias se seguiram hostis. E o que era para ser a seu tempo, estava-se perdurando além do necessário e do eficaz. Passava-se da conta a ponto de a humanidade dele tornar-se ódio, indiferença e lógica cortante com a desqualificação dos sentimentos...vendo a vida social apenas como um xadrez bem articulado e movimentos tão certos, previstos, marcados. Um grande teatro. Trágico. Onde todos morrem, inclusive o rei. Onde cada um acha que seu “movimento” é importante, até que chega um câncer, um infarto, um acidente e desqualifica a imponência efemeramente humana. A importância do poder se torna tão substancial quanto uma sombra.
Penetração
E disseminador
Que se possa gozar
Para além da juventude.
Não só nos jardins,
Mas nos salões, nas alcovas,
Nos escaninhos de onde moram
As virgens e as matriarcas.
Oh benção que permite
A humanidade mais profunda.
Que vai da carne e da sinapse
Para além eterno,
Seja a navegação extásica
Nos grandes lábios das amantes,
Nos seios virginais da inocência
Para a polinização de cada flor.
Virilidade suntuosa que desliza
Sobre toda sorte de líquido e entra
Como vida latejante, faz prosperar
Ais e goza profundamente.
O outro em excesso
Sou como um filho natimorto
Que no espaço entre a breve
Vida e a morte, não houve luz.
Metáforas...
Tanto habito quanto sou efêmero.
Sou testemunha da mudança de estação.
Vi árvores frondosas caírem pela raiz.
Algumas não suportaram o próprio peso.
Outras foram devoradas pelo fogo de cigarros,
De relâmpagos, de restos de fogueiras e balões
Os quais o sonho infantil não foi leve o suficiente
Para manter o vôo. Não foi suficiente para a
Insustentável leveza pueril.
Vi as folhas que caiam, que dançavam e desnudavam
Tão imponentes matas.
Observei e provei as lágrimas daqueles que
Ficaram sob a égide do sol. Acompanhei os passosDaqueles que sentiam dor em seus pés por pisarem em terra árida.
Ciclo eterno
Estrutura se constitui e se
Desconstitui indefinidamente.
A vida vira morte e a morte vira vida.
Basta a eternidade para todas as coisas.
Há o tempo da gravidade e da desgravidade.
Assim foi no início quando tudo explodiu e
Assim será quando as forças se condensarem
Novamente em uma densidade absurda e
De poder atômico universal.
Nascerá de novo tudo e
Morrerá de novo tudo.
A lógica do mundo é
Muito pre
Visível.
Falsa foto
Onde todos eram jovens, amigos e tinham sonhos.
Uma foto guardada no fundo de uma caixa,
Dentro de uma gaveta.
Uma foto que registrou a ilusão e a constatação
Da efemeridade do tempo.
Cada um para o seu canto.
Todos se tornaram estranhos.
Alguns com suas famílias,
Outros com suas solidões.
Outros mais, boêmios e saudosistas.
Presos ao tempo inexistente e às reminiscências de outrora.
O tempo, que se tornou estático, foi um tempo enganador.
Os sorrisos não acontecem mais de forma tão natural e vívida.
Nada mais tão brilhante quanto àqueles olhos.
Tudo ficou antigo com algumas mortes e muitas rugas.
Tudo ficou amarelado, até o sorriso.
Sala
Abateu-se sobre a cabeça dele.
A bebida acabou.
Os amigos sumiram.
Quando acordou, a barba e
Os cabelos já estavam brancos,
A cara desfigurada:
A velhice as células atacou.
Foi o último trago da erva
Verde e abstraiu o universo e
Descobriu uma fórmula: o que
Resta é o amor ou o oposto dele.
Quando passou o efeito,
Ficou antigo e descobriu
Que sempre se acaba
Dentro de um sistema.
Ele contemplou seu cachorro
Deitado em frente à porta, em
Sono manso de sentinela.
Ele também dormiu enquanto a TV ficou chiando.
Um homem de Óculos
Com lágrimas tão transparentes
Como sua lente.
De olhos negros, tão vermelhos
Que revelam a sua dor.
Um homem de expressão grave
E palavras cortantes.
De sombra mais viva do
Que seu próprio corpo.
Um homem de óculos que lê, relê
E lê mais uma vez uma carta.
Uma carta de amor.
Uma carta de amor.
Um homem que se embriaga
Em lembranças e dorme
Tão pesado sono porque
Não suporta tanta saudade.
Daniel de Castro
Voar
Enforcar com umas roupas,
Uma corda ou com o cabo da antena de tv.
Seria mais rápido do que a dor lenta
Que ele sente.
Poderia também dar um tiro na cabeça.
Seria muito mais eterno do que a falta
Que ela faz.
Poderia cortar os pulsos
Só para ver o sangue anêmico escorrendo pelo
Chão, e, no finalzinho, pingando.
Não se importava de morrer assim.
Já estava morto antes de nascer
E morre a cada instante
Por não tê-la mais.
A vida foi um fardo. Foi um cálice de líquido
Amargo do qual muitas vezes teve que tomar.
Era pura cicuta. Só vivia quando a beijava.
Ele poderia pular de um prédio bem alto.
E na hora em que estivesse sentindo o vento
Em seu corpo, ele lembraria do sorriso dela.
Passará um filme na cabeça dele.
Vai lembrar de como faziam amor e
Depois dormiam sono profundo.
E quando ele não sentir mais o vento
No rosto, lá estará, no asfalto,
Em sono profundo.
Daniel de Castro